terça-feira, 11 de agosto de 2009

Um breve sinal

Uma idéia rubra dificilmente nasce conosco porque quando nascemos estamos envoltos naquela aura azulada que embala as canções de ninar e torna os pezinhos mais macios. E nunca surge na velhice, pois nessa época estamos em tons terrosos, geralmente clássicos demais; e muito menos na adolescência – as cores dessa época estão todas emaranhadas como numa alucinação psicodélica o que faz com que o calor de uma idéia rubra não encontre lugar para criar raízes, tudo tem um sabor fresco, forte e volátil... É como mascar chicle de menta, comer pizza de gorgonzola e beber coca-cola com curry, tudo ao mesmo tempo e dentro de uma bolha onde a temperatura varia constantemente.

Ela também não é algo que se construa, como aqueles sentimentos fortes e quase indestrutíveis capazes de formar famílias felizes ou pervertidos insanos. A idéia rubra surge assim do nada. Mas que fique bem claro: ao contrário do que a maioria possa pensar, ela não explode, mas sai por alguma frestinha quase imperceptível de algum lugar esquecido (ou cautelosamente trancado). Como uma fumacinha ela vai se esgueirando, aparecendo... E quando vemos está lá, inteira, rubra e vibrante como um pôr-do-sol caribenho. No momento em que isso acontece não há como ignorá-la, fingir que não vemos, ou até mesmo expulsá-la, idéias rubras são fortes, insistentes, suavemente tentadoras ou até mesmo avassaladoras. Elas podem durar dias, meses, anos, segundos... O tempo não é assim tão importante afinal, independente de sua duração, deixa marcas visíveis, profundas, deliciosamente quentes.

As idéias rubras têm o poder de nos surpreender. São como uma verdade jamais dita nem sequer imaginada, que aparece de repente aos nossos olhos, desvendando coisas que saltam de nós como faíscas alegres de uma fogueira. Ela ilumina tudo com aquele seu tom vermelho, nos envolvendo num ar de mistério tão sedutor que inevitavelmente nos entregamos, nos deixamos embalar... Elas podem ter um sabor picante, ou algo como cravo e canela. Há quem diga que sentiu sabor de morangos, outros de maçãs, outros ainda dizem que a idéia rubra tem sabor de hortelã com passas, o que não duvido, mas de qualquer forma uma idéia rubra sempre tem sabor, cheiro e textura das coisas que nos arrepiam, nos incendeiam, nos fascinam e hipnotizam. É como a voz da sereia, a chama de uma vela, uma idéia rubra nos faz ter desejos rubros, pensamentos rubros e enrubesce a face.

São sempre caprichosas e jamais aceitam um não. As idéias rubras são como crianças portando espadas, a quem um não pode causar as mais profundas dores e arrependimentos. Uma idéia rubra é capaz de rejuvenescer, de dar vida, de fazer cantar até mesmo os crocodilos! Mas não se engane! Uma única idéia rubra pode arrastar sua vida como lava quente, derretendo tudo o que você acreditava, sentia, agarrava-se como uma tábua de salvação. Uma única idéia rubra pode deixá-lo sem chão, sem paredes para se apoiar, e quando nada mais do que você era existir, a idéia rubra te recria, inventa uma nova combinação para seus acordes e toca em você uma nova melodia.

O perigo e o prazer moram, lado a lado, em cada centímetro de uma idéia rubra e tanto os desavisados quanto os precavidos são pegos de surpresa por ela, e quando se dão conta já estão bailando suavemente rodeados por esta bela borboleta. E com Suzana não poderia ser diferente...

Naquela manhã comum, tomava seu café que era como tantos outros que já bebera ao longo desses 3 anos que mora sozinha, acompanhado pelas mesmas torradas besuntadas com a mesma geléia de morango, Suzana estava pronta pra sair de casa. Trajava-se com sobriedade como pede a profissão: calça social bege, camisa marrom, um belo scarpin dois tons mais escuro que sua calça e sua bolsa no exato matiz do sapato. Brincos discretos, modos discretos, essa era Suzana Vecchi: advogada há três anos, sorriso de Mona Lisa, passos firmes, pernas longas, pescoço lânguido e olhos amendoados e de um castanho tão escuro que poderia ser confundido com negro. Levava uma vida normal, com uma rotina normal, tinha amigos normais e um namorado normalíssimo... Suzana era apenas mais uma no cardume de gente movendo-se pela cidade. Porém, nem por isso (ou seria correto dizer justamente por isso?) fora poupada de ser campo para uma idéia rubra.

Ao sair de casa, marchando para mais um dia no Costa & Ribeiro, o escritório que arrebanhava os melhores advogados da cidade, Suzana se sentia feliz por ser mais uma ovelha do velho Ivens Costa e seu sócio Felipe Ribeiro, os magnatas que comandavam o exército de advogados colecionadores de causas ganhas. Mas naquela manhã desde que saíra de seu apartamento ela sentia algo estranho, não sabia exatamente o que era. Talvez um cheiro, uma sensação... não, não era isso. Um gosto! Mas de quê? Certamente que não era do café nem das torradas com geléia... era um gosto mais forte, e ao pensar por alguns instantes decifrou: era rum. Mas há muito tempo não bebia rum, de onde viria este gosto de rum que ficava cada vez mais forte? Apesar de advogada inteligente, Suzana acostumara-se a ser ovelha, e ovelhas não indagam sobre coisas que não têm explicação, e acabou por deixar o gosto de rum de lado enquanto marchava ainda mais rápido para o escritório, nunca se atrasava. Ela mal sabia, que aquele gosto de rum era o começo de um terremoto.


(postado por Lia Lorenzi)

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